NOTICÍA

BUPi: quando o Estado pede aos proprietários para fazer o trabalho que lhe caberia

28 Ago 2025

Em Portugal, ao contrário do que acontece na maioria dos países europeus, o cadastro predial não nasceu de uma estratégia nacional conduzida pelo Estado. Foi criado o Balcão Único Predial (BUPi), que na prática entrega aos cidadãos a responsabilidade de identificar e registar as suas propriedades.

 

À primeira vista, pode parecer uma solução engenhosa: cada proprietário conhece o seu terreno e pode registá-lo gratuitamente. Mas a realidade é menos linear. A esmagadora maioria dos proprietários não tem formação técnica em cartografia, muitos são idosos sem literacia digital e outros simplesmente não têm disponibilidade para lidar com o processo. O resultado está à vista: num território fragmentado em milhares de pequenas parcelas, o cadastro continua longe de estar completo.

 

Nos países vizinhos o caminho é outro. Em Espanha, França, Alemanha ou Itália, o cadastro é uma função de soberania do Estado. São os serviços públicos que asseguram levantamentos sistemáticos, com recurso a tecnologia de ponta: imagens de satélite, drones, fotogrametria aérea, topografia. O cidadão limita-se a confirmar ou corrigir dados. A propriedade é registada como parte da ordem pública, não como uma tarefa burocrática entregue ao indivíduo.

 

Em Portugal, optou-se por uma solução “caseira”. Em vez de assumir o investimento necessário, o Estado transferiu responsabilidades para os particulares. Mais barato, sem dúvida. Mais eficaz, dificilmente.

 

E o que acontece a quem não adere ao BUPi?

As consequências não são imediatas, mas são relevantes. Sem o registo no BUPi, um terreno pode ficar numa espécie de “limbo jurídico”:

 

- dificulta transmissões futuras, vendas ou partilhas, porque não existe prova inequívoca de titularidade;

 

- complica processos de herança, deixando as propriedades sujeitas a litígios entre herdeiros;

 

- pode inviabilizar candidaturas a subsídios ou apoios públicos que exigem prova de propriedade;

 

- e, num cenário mais alargado, perpetua a desorganização fundiária, um dos maiores entraves à gestão florestal e agrícola do país.

 

Por outras palavras: quem não regista arrisca-se a perder valor, segurança e até oportunidades de rendimento.

 

Mas o problema não termina aí. Muitos cidadãos que já aderiram ao BUPi estão agora a deparar-se com erros nos terrenos declarados — limites mal definidos, sobreposições ou divergências entre registos. E quando surgem estas situações, a informação disponível para as resolver é escassa, pouco clara e, muitas vezes, inexistente. Falta orientação prática, deixando os proprietários entregues a um labirinto burocrático sem respostas eficazes.

 

O BUPi nasceu de uma urgência, mas revela uma escolha política discutível: em Portugal, são os cidadãos que têm de construir o cadastro. Noutros países, é o Estado que assume essa missão como parte da estruturação do território. Entre o pragmatismo e a falta de ambição, ficamos com um sistema que depende da boa vontade — e da capacidade — dos proprietários.